sábado, 1 de agosto de 2020

Por que o lavajatismo é um risco para a democracia

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O clima está quente. Há uma ofensiva do procurador geral da República, Augusto Aras, contra a força-tarefa da Lava Jato.
Os analistas e jornalistas políticos, em grande parte, põem-se ao lado da força-tarefa. Mas não se trata de tomar partido no choque Aras x força-tarefa da Lava Jato. Pode ser que, no que se acusam, ambos tenham razão. Trata-se de manter o combate à corrupção como metabolismo normal do Estado democrático de direito e não como movimento político ou cruzada de limpeza ética.
Alega-se, a favor da Lava Jato nesta disputa, que Aras correu por fora, não foi escolhido em lista tríplice pela própria categoria. Foi Lula quem inventou a lista tríplice cedendo ao corporativismo do MP. Isso não está na Constituição Federal. Apenas virou um costume. Mas nada indica que o corporativismo possa fazer escolhas sensatas. Por exemplo, escolheu Rodrigo Janot, aquele que confessou ter ido armado para matar Gilmar Mendes.
Alega-se ainda que Aras foi nomeado como PGR para blindar Bolsonaro. E a Lava Jato não quer blindar Bolsonaro, senão criticá-lo (ainda que tardiamente, na undécima hora) por não assumir a luta contra a corrupção como principal bandeira do seu governo. É mesmo? Então por que Sergio Moro largou a magistratura para ser seu auxiliar? Moro avaliou que ele (Bolsonaro) seria um campeão do combate à corrupção (mesmo sabendo das rachadinhas, dos negócios imobiliários escusos, das ligações com milícias etc.)? Não foi capaz de perceber nenhum indício de comportamento autocrático no capitão (como ele mesmo declarou, enquanto ministro da Justiça), embora na campanha ele (Bolsonaro) tenha defendido a ditadura militar e seus torturadores? Ou isso não era importante para a “liga da justiça”? Só o que importava era o combate à corrupção?
Ora, se você quer ter a pureza como ideal supremo e aí limpar o mundo, separar os maus dos bons, cortar as cabeças dos primeiros, a partir de estamentos corporativos do Estado sem controle externo, definitivamente, seu negócio não é a democracia.
Não há solução sem política. Não há saída fora da democracia. Se estamentos corporativos do Estado, organizados como uma “milícia legal”, uma espécie de “liga da justiça”, não estiver sob controle democrático externo, não poderá haver democracia. Cairemos em um Estado policial.
Temos exemplos históricos. Já não foi suficiente o caso da Mani Pulite (na Itália dos anos 90)? Já não ficou claro que o fim de todo cruzado da limpeza é acabar se metendo desastrosamente na política e ensejar o surgimento de um Berlusconi (ou coisa pior, como fizeram os jacobinos com sua bala de canhão chamada Napoleão)?
O problema é complexo. Comecemos com três perguntas:
1) Uma força-tarefa deve durar para sempre?
2) Uma força-tarefa deve estar isenta de controle externo (controle dos próprios pares – como há hoje – é interno, não externo: e isso vale para o MP como um todo)?
3) Afinal, que tipo de instituição é uma força-tarefa? Deve-se juntar numa mesma instância quem acusa, quem controla, quem policia e quem julga (MP, Receita, PF, Judiciário)?
Parece óbvio que a resposta democrática é não, para as três perguntas.
Quando a Lava Jato vai acabar? Quando acabar a corrupção no Brasil? Ou quando o mundo todo estiver limpo dos maus? Então é melhor convocar logo uma Constituinte instituindo-a como um novo poder da República, uma instituição permanente, autônoma e soberana, do Estado brasileiro.
Para democratas não vale o dito “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Não vamos defender o lavajatismo porque ele passou (tardiamente) a criticar o bolsonarismo. Não vamos defender o lulopetismo pelo mesmo motivo. Bolsonaro deve ser removido pela democracia, não substituído por outros messianismos.
É preciso parar de criar mitos. Eles só servem aos populismos, para compor rebanhos. Agentes democráticos não são mitos e sim pessoas comuns. Nem Lula, nem Bolsonaro, nem Moro: ninguém deve ser mitificado. Não adianta substituir um mito por outro. A não ser para quem quer conduzir o gado. Ou fazer parte do gado.
Sim, o lavajatismo militante está forjando um novo mito (Moro) para substituir os antigos (Lula e Bolsonaro), mas não tem compromisso com a democracia na medida em que o jacobinismo restauracionista (que quer reconstruir o mundo a partir da terra-arrasada) é essencialmente antipolítico – e, o que é pior, autoritário.
E sim, existe um lavajatismo militante. O lavajatismo está pendurado no moralismo da população (o mesmo que, em parte, elegeu Bolsonaro), na “revolução judiciarista”, na militância jacobina de O Antagonista e do Vem Pra Rua, na atuação interesseira de líderes partidários que querem pegar uma carona na popularidade de Moro e de seus mosqueteiros e na defesa que lhe fazem, de graça, analistas e jornalistas políticos de grandes jornais, rádios e TVs.
Mas é impossível honestamente negar que a força-tarefa da Lava Jato tem atuação política. Ela é hoje o principal agente da “revolução judiciarista” de que fala Christian Edward Cyril Lynch. É o Partido da Polícia de que fala o Reinaldo Azevedo. É o Partido dos Procuradores de que fala Demétrio Magnoli. E é o cabo eleitoral da campanha Moro 2022. Não? Vamos aguardar para ver. Enquanto isso, aceitam-se apostas.
Alguns, entretanto, insistem em fechar os olhos e reafirmam que se trata apenas de não descontinuar o combate à corrupção. Que tarefas republicanas, como o fim do foro privilegiado, têm que ir até o fim. Como se só a força-tarefa da Lava Jato – quer dizer, a organização política informal de Moro (o chefe oculto), Deltan (o operador ostensivo) e Carlos Fernando (o ideólogo) – pudesse fazer isso no Brasil.
Sim, vamos acabar com o foro privilegiado, para todos, a começar dos procuradores e juízes. Aproveitemos também para acabar com os outros privilégios (aposentadoria privilegiada, férias de 60 dias e “auxílios” sem tributação: moradia, livro, creche, pós-graduação, alimentação). No início de 2018 havia 54.990 pessoas protegidas por foro especial por prerrogativa de função. Não, a maioria das autoridades que têm tal privilégio não é composta pelos odiados “políticos” (parlamentares e executivos governamentais) e sim por juízes e procuradores. Atualizem os dados e os números ficarão ainda mais dramáticos.
Outros dizem, na mesma linha, que se a força-tarefa da Lava Jato não tiver autonomia, não conseguirá romper o bloqueio dos corruptos (leia-se: os políticos corruptos e os juízes do STF que os protegem).
Mas quem decide o timing para investigar e processar um suspeito? Quem escolhe a cabeça que vai rolar? Uma força-tarefa pode eleger seus alvos, até desenterrando cadáveres, segundo seus interesses corporativos ou políticos? E quem critica essa “autonomia” é corrupto ou está defendendo a corrupção?
Repetindo. O problema do MP não é sua necessária independência, mas a autonomia para escolher o timing? Quem escolhe o momento de ativar um caso, antigo ou novo, consistente ou fraco? Forças tarefas podem ter, por razões próprias, autonomia para fazer isso influindo na conjuntura política?
Se a imprensa e certos partidos não acordarem a situação pode piorar muito. Destruir a política deu em Bolsonaro. Mas o lavajatismo militante não está satisfeito com isso. Quer mais. Quer transformar Sergio Moro em nosso Antonio Di Pietro? Pesquisem para ver o que aconteceu com a operação Mani Pulite.
O lavajatismo é um risco para a democracia.
Desequilibra os poderes ao querer se colocar acima de todos eles, com o apoio dos meios de comunicação que deveriam zelar pelo regime.
Substitui a democracia como valor universal pela honestidade como valor universal (no seu regime ideal, ditadores honestíssimos como Salazar, que comungava e confessava antes de mandar torturar e matar seus opositores, seriam bem-vistos – assim como foi bem-visto o pequeno corrupto Bolsonaro).
Tudo isso quando já se sabe que a democracia não é o regime sem corrupção e sim o regime sem um senhor. E quando já se sabe que nenhum regime democrático se autocratizou (virou uma ditadura) em razão do aumento do número de corruptos por metro quadrado. E, ainda, quando se sabe que podemos reduzir significativamente a corrupção na política e na sociedade, mantendo um regime autoritário (como Singapura, por exemplo).
A força-tarefa da Lava Jato não vai – nem quer – acabar com a corrupção (em 6 anos não fez nem cosquinhas, como estamos vendo). Aliás, se acabasse a corrupção, acabaria o lavajatismo. Vai continuar selecionando (ou tirando do seu baú de 350 terabytes), segundo seus próprios critérios corporativo-políticos, alvos midiáticos para constituir uma nova força política sem intimidade com o regime democrático.
Por enquanto é isso. Amanhã, provavelmente, os cruzados da limpeza ética perderão seus escrúpulos e gritarão a plenos pulmões: Vote Moro 2022.

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